domingo, 6 de janeiro de 2013

126. Alinhavando uns pontos - fonemas, letras e dupla articulação









L.T. : Alinhavando uns pontos.
A questão do tempo não estará em jogo no que respeita à dupla articulação da linguagem e mais latamente ao duplo laço, dupla ligação e double-bind (Bateson e Derrida)? Por exemplo, quando se fala de fonema (na fala) e letra (na escrita) deve ter-se em conta o designado (o ente; as palavras fonema e letra referindo-se aos entes que representam) e a designação (nome ou termo, que nomeia ou designa um ente; essas palavras ('fonema' e 'letra') referem-se, são designações de tais entes)? Não esquecer que os fonemas e letras têm a ver com a estrutura significante de Saussure, de diferenças, como fazes questão de assinalar (p.ex., no §35 do teu La Philo avec Sciences...). Quer dizer, os fonemas e as letras, nos seus jogos de diferenças significantes e de repetições de diferenças, não são entes.
No segundo caso, que respeita à designação, nos compêndios de iniciação de lógica e matemática, costuma empregar-se as aspas ('fonema', 'letra'). Evidentemente que poderemos dispensá-las se consideramos os contextos. Consultei cá em casa um compêndio e deixo-te um link explicitando:http://www.educacao.te.pt/jovem/index.jsp?p=117&idArtigo=4714
Será que que o exemplo das aspas poderá responder a objecções que se te possam colocar? 1ª objecção: "Quando designas 'fonema' ou 'letra', acrescentando que «por eles mesmos não querem dizer [não significam] nada, não são imagem de nada» (também no §35 do La Philo avec Sciences...), contudo, não deixam de ser palavras e de significar. Fonema e letra são palavras e significam. Ora, «são as palavras que são duplamente articuladas» - como escreves (§35) -, e «são ligadas aos fonemas» (§35)." 2ª objecção: "Não esqueçamos que quando dizemos ou escrevemos 'fonema' e 'letra' estamos a usar, a fazer uso de palavras ou de nomes." Esta poderá ser ao mesmo tempo uma objecção wittgensteiniana (2º Wittgenstein) dos jogos e usos de linguagem?
Creio que se trata do designado na primeira citação que fiz do § 35 («por eles mesmos não querem dizer [não significam] nada, não são imagem de nada»). Aliás, não puseste aspas. No entanto, um fonema ou uma letra não são entes, mas as tais diferenças significantes, ou a tal "diferença de fonemas". Então também não se trata do designado? Nem da designação? Ou seja, não se trata de pôr o problema segundo critérios de designado e de designação?
Por que é que falei da questão do tempo? Se se tiver em conta que se pode estar a considerá-los, ora enquanto designados (fonema e letra), ora enquanto designações ('fonema' e 'letra'), isto leva-me a pensar na questão do tempo.
Noutro contexto, o Deleuze num clip sobre o Je et le pronom personnel em Benveniste menciona "le rapport de signification e le rapport de designation".

03/01/2012

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F.B. : Um fonema e uma letra , 'o', 'b', 's', etc. não significam nada nem designam nada, são puros imotivados (como aliás as notas musicais). As palavras 'fonema' e 'letra' designam, não entes, mas diferenças, estas têm que ter nome para serem pensadas. Há muitos casos assim: paternidade, solidariedade, amizade, e muitas qualidades. A filosofia e as ciências ocupam-se de diferenças entre entes, não de entes. A circunferência dos geómetras não é uma roda nem um prato, mas a diferença entre eles que se encontra por redução ideal desses entes. O fígado dos biólogos e médicos não é o nosso, mas a diferença entre os fídagos reduzidos na sua substancialidade, etc.
Quanto ao 2º Wittgenstein, não vejo que haja relação, ele ligou as palavras ou as expressões aos usos, o que me parece uma correcção do dualismo inerente ao Tratactus, mas a meu ver não conseguiu senão dar cabo deste, fazer à filosofia analítica que se reclamava do Tratactus algo parecido com o que Heidegger fez aos fenomenólogos, mas conheço pouco estas questões, não me parece que ele tenha 'construído' uma filosofia, como o Heidegger se presta além da desconstrução do substancialismo ocidental, da ontoteologia. Detesto nomeadamente a ideia de que o papel da filosofia é tirar a mosca da garrafa. É puro nihilismo filosófico, ignorância do papel da filosofia no Ocidente. Então para quê se dedicar a ela? O Heidegger fez-nos perceber o peso histórico das palavras filosóficas, nomeadamente gregas e alemãs.

Quanto ao tempo, é claro que ele é inerente à dupla articulação da linguagem, só consegues dizer fonemas ou escrever letras em sucessão, quer espacial quer temporal, idem para palavras e frases e textos. Escrever e ler é sempre reter (tempo) as diferenças já inscritas e adiar (tempo) as por inscrever, são actividades que criam um tempo irreversível, como diria o Prigogine, mas é desde a invenção da vida que isso acontece. A qualidade do tempo na Lua não tem comparação com isto: uma pedra de lá, ou de cá, não é temporal como nós, os vivos.

05/01/2012